Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Ruy Castro
Descrição de chapéu Eleições 2018

O escorpião da fábula

Bolsonaro não conseguirá escapar à sua natureza

O candidato à Presidência pelo PSL, Jair Bolsonaro, no hospital Albert Einstein, em São Paulo
O candidato à Presidência pelo PSL, Jair Bolsonaro, no hospital Albert Einstein, em São Paulo - Flavio Bolsonaro/Associated Press

Jair Bolsonaro não se emenda. No próprio leito do hospital, recuperando-se da facada que quase o estripou, posa para fotos fazendo gestos de quem dispara com as duas mãos, sugerindo as armas de fogo que ele quer ver na cintura de cada brasileiro —embora, se tivesse sido atacado com uma delas, não estaria mais aqui para repetir o gesto. Mesmo com os adversários ainda cautelosos, poupando-o em respeito à sua condição de vítima de um atentado, seu xerifismo é incontrolável. É como se ele estivesse os chamando de volta ao modo tiroteio, seu favorito, por ser o único em que se dá bem.

Os analistas que já veem Bolsonaro no segundo turno talvez ainda não tenham parado para pensar que, com toda a comoção popular ativada por sua nova condição de mártir, ele tem grandes vazios de popularidade em várias minorias, algumas nem tão minorias.

De onde tirará votos, por exemplo, para compensar os que deverá perder entre as mulheres, os homossexuais, os negros, os índios, os preguiçosos, os malandros, os gordos (que ele pesa em arrobas), as estupradas, os pobres, os parentes dos presos, torturados e mortos pela ditadura e os outros que ele e seu vice, general Hamilton Mourão, se dedicam sistematicamente a ofender? Para não falar nos civis acima de 50, que cresceram sob Figueiredo e talvez não gostem da ideia de viver num regime semimilitarizado, dominado por generais e majores de maus bofes —os “profissionais da violência”, como se denominam os que cercam Bolsonaro.   

O convalescente Bolsonaro faria bem em recolher o ferrão e deixar que seus adversários se esfacelassem entre eles. Mas, a exemplo do escorpião da fábula, sua natureza o levará a continuar picando quem lhe passar pela frente, angariando-lhe novas categorias de desafetos. 

Corre o risco de, por força do hábito, dizer algo fatal e picar a si mesmo, encerrando o assunto.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.